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Paralisação histórica Trabalhadorxs de limpeza urbana de Florianópolis rechaçam lei que retira direitos e privatiza o serviço
Uma greve de duas semanas terminou com a conquista da suspensão de medidas de retaliação aos grevistas e ao SINTRASEM, sindicato municipal representante da categoria, e com a abertura de negociações sobre os pontos contidos na nova lei.
Edith Rojas
Foram 15 dias de paralisação e mobilização em meio a ameaças de punição, multas e até um atentado a bomba contra a liderança do movimento grevista. Mas a resistência dos trabalhadores e trabalhadoras da Autarquia de Melhoramentos da Capital (COMCAP), empresa pública de limpeza urbana de Florianópolis, capital de Santa Catarina, rendeu frutos: a suspensão de medidas de retaliação aos participantes da greve e ao Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Florianópolis (SINTRASEM), além da abertura de negociações sobre suas demandas.
Agora, a luta é por reverter o máximo de pontos possível da lei complementar 706/2021, aprovada pela Câmara de Vereadores de Florianópolis em 26 de janeiro, que prevê mudanças na estrutura administrativa do município, incluindo um novo modelo de gestão da Comcap e a revogação de benefícios de seus trabalhadores e trabalhadoras.
“A lei aprovada altera um acordo coletivo vigente em uma série de direitos, ocasionando perdas salariais. Entramos na Justiça questionando a lei. O acordo coletivo de trabalho, além de estar incorporado aos contratos individuais de trabalho quando a empresa passou para autarquia em 2017, é uma lei superior a uma lei orgânica municipal”, explica Renê Marcos Munaro, presidente do SINTRASEM, que representa os trabalhadores e trabalhadoras da COMCAP. “Do ponto de vista da COMPAC, a lei abre a possibilidade de terceirização de serviços. Agora há uma autorização legal para isso”, diz.
A COMCAP tem 48 anos e mantém um quadro de 1,5 mil funcionários e funcionárias. Jucelia Vargas, diretora da Federação dos Trabalhadores Municipais de Santa Catarina (FETRAM-SC), explica que, ao longo desses muitos anos de trabalho bem feito e contínuo, a empresa criou um vínculo com a população da cidade. “Ou seja, o serviço público, uma empresa pública onde tem concurso público, garante que esses servidores e servidoras se qualifiquem em serviço e que criem um vínculo com a sociedade. E é isso que o prefeito atual tentou desconstruir, tentou privatizar, mas como a população é totalmente contra ele criou algumas situações para contratação de empresas com valor muito acima daquilo que é gasto com a empresa pública, e, não contente com isso, enviou para a Câmara dos Vereadores um projeto para retirar direitos desses servidores”.
A greve foi iniciada em 18 de janeiro e continuou mesmo após a aprovação do Projeto de Lei enviada à Câmara dos Vereadores três dias antes pelo prefeito Gean Loureiro (DEM), para que as sanções contra os grevistas e o sindicato fossem retiradas. “A greve foi criminalizada durante todos os dias, tanto pela mídia quanto pelo judiciário. Multas pesadas, bloqueio de conta do sindicato, auditoria, proposta de intervenção para fazer a quebra de sigilo das contas do sindicato, bloqueio de contas pessoais de dirigentes, inclusive de patrimônio. Foi um processo bastante intenso, e no final ocorreu a abertura de processo de demissão para grevistas. Foi um ataque muito duro à livre organização sindical e com práticas antissindicais que ferem a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, denuncia Munaro.
Segundo José Eymard Loguercio, advogado especialista em Direito Coletivo do Trabalho, que acompanhou a greve, “o que se viu em Santa Catarina foi exercício do poder contra os direitos sindicais internacionais e constitucionais. É simples. Quando se estabelecem condições de exercício de um determinado direito e impõe multas, determina sequestro de bens, antecipa condenações sem o devido processo legal, o que se está fazendo na prática é negando o direito. O Poder Judiciário, por provocação do Ministério Público, impôs decisões que militam frontalmente contra a liberdade sindical e todas as decisões proferidas pelo Comitê de Liberdade Sindical da OIT, que é o órgão que baliza e orienta o que pode ser considerado um padrão de razoabilidade para o exercício dos direitos sindicais”.
Loguercio explica que a Justiça catarinense “presumiu uma responsabilidade coletiva do sindicato pela simples deflagração da greve e passou adotar medidas coercitivas contra a entidade e seus dirigentes. Isso é o mesmo que negar o núcleo do direito fundamental que é protegido”. Assim, para ele, caso os processos não sejam encerrados por meio de acordos, o caso deverá ser denunciado perante o Comitê de Liberdade Sindical da OIT.
Segundo Denise Motta Dau, secretária sub-regional da ISP para o Brasil, a Internacional de Serviços Públicos continuará acompanhando, em conjunto com as organizações do setor municipal, o desfecho da greve dos trabalhadores da COMCAP. "É um processo de luta que, além de defender direitos, defende também que a COMCAP seja pública e garanta serviços de boa qualidade. E acompanharemos as negociações para que o autoritarismo demonstrado nas relações trabalhistas não se repita, caso contrário, faremos denúncias junto a organismos internacionais, informando que as práticas antissindicais não cessaram e nem foram revertidas”.
Um exemplo extremo da pressão a que os grevistas foram submetidos ocorreu no dia 24 de janeiro, quando a residência de Renê Munaro foi alvo de um ataque à bomba. No momento, o presidente do SINTRASEM participava de um piquete da greve, mas seus familiares estavam no local.
No domingo, dia 31, os trabalhadores e trabalhadores da COMCAP, juntamente com suas famílias e parte da população da capital catarinenses, realizaram um grande ato em defesa dos direitos da categoria e da empresa 100% pública. Segundo a organização, mais de 5 mil pessoas participaram da manifestação, que fez o prefeito Gean Loureiro recuar da recusa de negociar com os grevistas. Na noite do próprio domingo, a Prefeitura recebeu uma comissão de trabalhadores.
Na manhã de segunda-feira, 1º de fevereiro, a Assembleia dos trabalhadores da COMCAP decidiu pelo encerramento da greve, sob o compromisso de que ninguém será punido, ou terá o salário descontado, e de que todos terão assegurado o direito à reposição dos dias parados fora do horário. Além disso, a Prefeitura de Florianópolis assegurou que a portaria que cria uma comissão para abrir processos administrativos seria revogada, que os grevistas teriam garantia de estabilidade, que o acordo coletivo da COMCAP seguiria em vigência e que a multa milionária imposta ao SINTRASEM seria retirada.
No entanto, apesar de o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) ter acatado o acordo, o Ministério Público de Santa Catarina mantém a apuração de responsabilidade do sindicato por descumprimento do TJ-SC que declarou a greve ilegal, em um inquérito aberto na Polícia Civil, após solicitação do Promotor de Justiça Wilson Paulo Mendonça Neto, na sexta-feira, 29.
“Agora é se preparar, preservar a categoria, a Prefeitura vai continuar atacando os trabalhadores. Esse é o cenário. É preciso ter a categoria preservada para continuar enfrentando esses ataques que vão vir aí mais para frente, e saber que não foi um raio em céu azul, não é exclusivo de Florianópolis. A classe trabalhadora vem sendo atacada nacionalmente, e nós estamos organizando e esperando que o conjunto da classe trabalhadora se levante contra esses ataques dos últimos tempos, em nível federal, municipal, mas todos ligados ao mesmo projeto político de destruição do serviço púbico e dos direitos dos trabalhadores”, afirma o presidente do SINTRASEM.
Para Vilani Oliveira, presidenta da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam/CUT) e também presidenta da Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal das Américas (Contram), entidade organizada no âmbito da Internacional de Serviços Públicos, há muito o que aprender com a greve dos trabalhadores e trabalhadoras da COMCAP. “Esses trabalhadores estão num processo de construção de uma consciência de classe, de classe trabalhadora”, diz. Segundo ela, ao grande ato com as famílias no dia 31 somaram-se as ações e demonstrações de solidariedade de sindicatos do Brasil inteiro. “Um sindicato forte e bem articulado, uma categoria bem mobilizada, essa rede de solidariedade e o envolvimento das famílias no ato, em conjunto, foi o que reverteu a situação, que fez reabrir a mesa de negociações, que fez o prefeito voltar atrás nos processos administrativos, não demitir. Claro que os trabalhadores perderam alguns direitos nesse processo, mas a luta continua, a mesa está reaberta, quiçá mais para frente esses direitos possam retornar para fazer justiça a esses trabalhadores e trabalhadoras.”
Avaliação semelhante é feita por Sueli Adriano, dirigente da FETRAM-SC e da CONFETAM. “Os trabalhadores e trabalhadoras da COMCAP demonstram uma consciência política que é invejável. A maioria dos trabalhadores têm o ensino médio, fundamental, e não tem formação política dentro dos partidos políticos, ou dentro dos movimentos. Mas eles fazem a formação deles dentro desses momentos. Junto com o movimento sindical nesses momentos de greve. O que a gente viu aqui nesses 15 dias de greve foi a demonstração da unidade. Uma parte dos trabalhadores que tinha cargos de confiança do governo logo na primeira semana entregaram seus cargos em prol da coletividade. Isso foi bastante emocionante”, diz.