O sistema de proteção de investimentos põe em risco a independência da Justiça na América Latina

O regime de arbitragem de investimentos (ISDS) tem despertado enormes críticas nos últimos anos. Mas um aspecto pouco explorado é como esse regime mina o Poder Judiciário e as decisões tomadas pelos juízes nacionais. Este informe utiliza a experiência da América Latina e apresenta cinco cenários para demonstrar que as demandas judiciais investidor-Estado e os árbitros que decidem sobre elas vulneram o Poder Judiciário. Leia seu resumo executivo a seguir.

Um dos principais argumentos utilizados para justificar a criação do regime de arbitragem de investimentos é que os tribunais nacionais são parciais e inadequados para dirimir disputas entre investidores e Estados. A resposta a esse suposto problema foi a criação de um regime de “justiça” paralelo estabelecido por meio de uma rede de 300 Tratados de Livre Comércio e cerca de 2.500 tratados de proteção de investimentos.

Esses acordos internacionais incluem o mecanismo de solução de controvérsias investidor-Estado (ISDS por sua sigla em inglês) que outorga aos investidores estrangeiros o direito a demandarem os governos perante tribunais de arbitragem internacional, sem que necessitem esgotar primeiro as instâncias judiciais nacionais.

Justiça paralela

Novo estudo do Transnational Institute (TNI) e da Internacional de Serviços Públicos Interaméricas mostra como o sistema de proteção de investimentos põe em risco a independência do Poder Judiciário na América Latina.

Este estudo apresenta dois argumentos centrais:

1. Os tribunais de arbitragem internacional são muito menos imparciais e independentes que os sistema judiciais. De fato, a natureza do sistema de arbitragem o torna intrinsecamente enviesado a favor dos investidores estrangeiros. O relatório mostra que:

  • Os árbitros, diferentemente dos juízes, não têm que cumprir com garantias institucionais de imparcialidade e independência.

  • Na arbitragem de investimentos não há recurso de apelação, eliminando assim um dos mecanismos de controle e contrapeso.

  • O custo de uma arbitragem investidor-Estado é maior que o de um julgamento em tribunais nacionais.

  • O regime de proteção de investidores não dá o mesmo acesso à justiça, discriminando entre investidores locais e investidores estrangeiros.

2. A arbitragem de investidores viola o Poder Judicial. No melhor dos casos, o sistema de solução de controvérsias investidor-Estado substituiu os tribunais nacionais e, no pior dos casos, menospreza as decisões tomadas pelos juízes nacionais. Apresentam-se cinco cenários e exemplos que mostram esta situação na América Latina:

  1. Investidores estrangeiros que demandam os Estados pelas decisões de seus tribunais nacionais, como ocorreu nos casos de Eco Oro v. Colômbia, Infinito Gold v. Costa Rica e Kapes v. Guatemala.

  2. Os tribunais arbitrais internacionais que ordenam aos governos que anulem sentenças de tribunais nacionais, violando o princípio de separação de poderes.

  3. Os investidores estrangeiros que contornam as instâncias judiciais nacionais.

  4. Os investidores estrangeiros que usam os tribunais arbitrais para evadir sua responsabilidade por violações aos direitos humanos, ambientais e trabalhistas.

  5. Os investidores estrangeiros julgados por atividades criminais que buscam escapar da justiça usando o regime de proteção de investimentos.

Diante deste cenário, são oferecidas as seguintes recomendações:

  • Que seja reconhecido que os tribunais nacionais, além de suas deficiências atuais, são idôneos para resolver as controvérsias dos investidores estrangeiros com os Estados.

  • Que os governos não assinem novos acordos de proteção de investimentos que incluam o mecanismo ISDS e que denunciem os acordos existentes que incluem esse mecanismo.

  • Que se avance com auditorias integrais dos acordos de proteção de investimentos.