No estado de São Paulo, projeto de lei ameaça os serviços públicos e os direitos das e dos servidores

A proposta prevê alterações no regime jurídico das e dos servidores, que, segundo críticos e especialistas, violam os direitos destes e facilitam a contratação de funcionárias e funcionários precarizados, abrindo caminho, assim, para o sucateamento dos serviços públicos e sua consequente entrega à iniciativa privada. Por Elden Ribeiro e Igor Ojeda

No início de agosto de 2021, o governador do estado de São Paulo João Doria Jr. (PSDB) enviou à Assembleia Legislativa, em regime de urgência, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 26. Sob justificativa de aprimorar a estrutura administrativa do estado e sem debate prévio com a sociedade ou com as e os trabalhadores públicos, a proposta prevê alterações no regime jurídico das e dos servidores, que, segundo críticos e especialistas, violam os direitos destes e facilitam a contratação de funcionárias e funcionários precarizados, abrindo caminho, assim, para o sucateamento dos serviços públicos e sua consequente entrega à iniciativa privada.

“É o fim do funcionalismo público. Estamos fazendo várias assembleias, elaborando boletins, conversando com os trabalhadores para que eles entendam que esse projeto significa o fim do funcionalismo”, alerta Cleonice Ribeiro, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (SINDSAÚDE-SP), organização afiliada à Internacional de Serviços Públicos (ISP). Segundo ela, o PLC 26 é, na prática, uma reforma administrativa, que vai “atacar ainda mais os direitos dos funcionários públicos, prejudicando muitos os trabalhadores”.

“Com essa reforma, abre-se espaço para cabide de emprego que atenda aos interesses políticos. Os atuais governantes vão colocar no serviço público pessoas que, por exemplo, administrem a saúde do jeito que eles querem, porque em nenhum momento eles olham para a população e muito menos para o trabalhador que está no dia a dia sem condições mínimas de trabalho, sem salário, adoecido”, diz Ribeiro.

Entre as principais medidas negativas estão a redução de 30 para 15 dias seguidos no número de faltas que caracteriza abandono do cargo; a criação de uma bonificação por resultado, que não será estendida para aposentados e pensionistas, já que não será incorporada ao salário-base; a redução do abono de permanência para aposentados que continuam trabalhando; e a alteração da Lei 1.093 de 2009 que trata da contratação temporária, levando a uma maior precarização trabalhista.

Prejuízos às e aos trabalhadores

Sobre a primeira medida, a presidenta do SINDSAÚDE-SP alerta: “Imagine que o trabalhador precisou tirar uma licença-saúde por conta de uma cirurgia ou qualquer doença física que ele tenha durante o ano. Ultimamente a gente tem tido muitos problemas com o Departamento de Perícias Médicas: o cidadão passa no médico que lhe fez a cirurgia, e este dá 30 dias de atestado para ele fazer o repouso, fazer tratamento e tudo mais. Quando chega na perícia médica, o médico perito corta pela metade este período. Só que isso leva um bom tempo para sair no Diário Oficial, ou seja, para que o paciente, no caso o trabalhador, saiba que foi indeferido. Aí ele já perdeu 15 dias, então ele já está com 15 dias de faltas e só restariam mais 5 para ele ser exonerado. Então isso é um problema muito grave”.

Sobre a redução do abono de permanência, os críticos do PLC 26 apontam que poderá ter como consequência, por exemplo, a falta de professores e professoras na educação, que perderiam parte do estímulo para continuarem lecionando.

Outro retrocesso, apontado pelo Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (SINAFRESP), também afiliado à ISP, seria “a reversão das alterações conquistadas pela categoria em 2018 para o cálculo da Participação nos Resultados, que devolverá aos agentes políticos a definição da metodologia dos valores e datas de pagamento ao seu bel prazer”.

Cleonice Ribeiro aponta, ainda, a criação de uma Controladoria Geral do Estado como uma iniciativa que pode gerar casos de perseguição contra servidoras e servidores. “O controlador poderá requisitar procedimentos e processos administrativos arquivados para reexame, e se necessário, proferir nova decisão. Ou seja, a Procuradoria, ou o chefe ou o diretor podem achar necessário desarquivar o processo de determinado trabalhador e isso resultar em sua demissão”, explica.

Entre outros pontos considerados problemáticos do projeto, estão:

  • Fim do abono de faltas. Atualmente, os servidores podem ter até 6 faltas abonadas por ano, sem necessidade de justificação, desde que não ultrapasse uma falta por mês;

  • Perda da Licença-Prêmio:

  • Retirada da correção anual pelo IPC do adicional de insalubridade;

  • Revogação do pagamento do adicional de insalubridade durante a Licença-Prêmio;

  • Revogação do pagamento da Licença-Prêmio na aposentadoria e falecimento.

Portas fechadas e bloqueio midiático

Segundo a presidenta do SINDSAÚDE-SP, é preciso fazer um estudo minucioso sobre o projeto. “O PLC é muito extenso, então tem alguns trechos que a gente precisa prestar bem atenção. Diz uma coisa no 1° parágrafo, mas no 13° parágrafo já produz outro entendimento, que ferra mais o trabalhador”, afirma.

Além de não ter havido debate prévio com os servidores públicos sobre o projeto de lei, o governo de João Dória Jr. não abre espaço para negociações seja sobre esse ou outros temas de interesse das e dos trabalhadores, conta Ribeiro. “Nós temos uma mesa de negociação mensal na Coordenadoria de Recursos Humanos, mas eu digo que não é mesa de negociação, é uma mesa de conversação. Nós conversamos sobre todos os problemas, mas não há encaminhamento de nada.”

Segundo ela, as “negociações” acontecem através de processos através do Ministério Público do Trabalho. Foi assim que as e os trabalhadores da saúde conseguiram Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados. “Diálogo é muito pouco com o governo, para a gente ser ouvido é preciso entrar com processo”, diz.

Nós vamos para a luta e espero que a gente consiga a vitória, vamos lutar para isso. Precisamos movimentar mais as ruas.

A presidenta do SINDSAÚDE-SP critica ainda a falta de espaço sobre esses temas na mídia comercial, mesmo com casos de trabalhadores da saúde sofrendo com sequelas de covid-19, falta de EPIs e redução nos salários. “Nós estamos vivendo no limite e ele [o governador João Doria] tem a cara de pau de ir para a TV e dizer que o salário que nós ganhamos é o que nós merecemos. Isso gerou uma revolta total na base”, afirma. “Fala que nós recebemos o que merecemos, mas não conta o quanto que ele já aumentou de salário de seus secretários”, protesta.

Ela lembra que o PSDB está há quase 30 anos governando São Paulo ininterruptamente, mas que as e os servidores sempre foram à luta. “Passamos pelo [ex-governador] José Serra, passamos pelo [ex-governador] Geraldo Alckmin, e agora o Doria veio dar o tiro de misericórdia. Mas não vamos aceitar esse tiro de misericórdia. Nós vamos para a luta e espero que a gente consiga a vitória, vamos lutar para isso. Precisamos movimentar mais as ruas. A gente sabe que infelizmente estamos em uma pandemia, que há uma nova variante, mas não dá para a gente ficar com os braços cruzados. Acho que precisa ter uma revolta, uma explosão, porque ficar parado no cantinho não dá. Esse é o momento de mostrar a nossa indignação”, desabafa.