ISP Brasil debate como enfrentar a violência de gênero no mundo do trabalho

A violência de gênero não é uma luta isolada, ela faz parte das relações democráticas de trabalho e precisa estar integrada à pauta das entidades sindicais e das negociações coletivas das categorias. Por Fernanda Fiot

Essa foi uma das principais conclusões do webinário “Você sabe como enfrentar a violência no trabalho?”, promovido pelo Comitê de Mulheres da ISP – Internacional de Serviços Público, na quarta-feira, 9 de dezembro, como parte da programação dos 21 dias de ativismo pela eliminação da violência contra a mulher.

A atividade, coordenada por Luba Melo, diretora do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep-SP) e dirigente do Comitê Regional Executivo Interamericano da ISP (IAMREC), e mediada por Fernanda Lou Sans Magano, presidenta do Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo (Sinpsi) e membra do Comitê de Mulheres da ISP, teve como convidadas: Ana Maria da Silva, agricultora negra, professora e sindicalista; e Tamara Amoroso Gonçalves, advogada, mestre em direitos humanos e integrante do Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM).

Assista ao webinário na íntegra:

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Webinário "Você sabe como enfrentar a violência no trabalho?"

Na abertura do encontro, a secretária sub-regional da ISP Brasil, Denise Motta Dau, falou sobre a importância da meta de ratificação da Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em 2019, que prevê a punição de empresas e governos que não garantam condições de trabalho sem violência, de modo geral, e de gênero, em particular. “Essa meta começa por uma lição de casa, que são os nossos sindicatos debaterem mais e melhor o tema da violência de gênero nas relações de trabalho e assumindo como pauta importante, tanto quanto a violência doméstica.”

Na sequência, a convidada Ana Maria ressaltou que o sindicato, por ser espaço de socialização e de busca de direitos, também é lugar de combate às violências no trabalho e em todos os ambientes. “A resistência é no cotidiano, tomando consciência das nossas identidades, dos olhares que os outros têm sobre nós e, assim, vamos refletindo sobre nosso papel.”

Como mulher negra, Ana Maria relatou vivências pessoais de assédio e o seu enfrentamento cotidianamente. “Os nossos corpos negros não podem ser fatores para a subalternidade, opressão e nenhum tipo de violência. Não vamos ficar calados”, frisou.

Ana Maria da Silva
Ana Maria da Silva
Pesquisa revela assédio no trabalho

Dados de recente pesquisa do Think Eva e o LinkedIn, realizada no Brasil, foram apresentados por Tamara Gonçalves. Os resultados apontam que a maioria das mulheres já sofreu assédio no ambiente de trabalho. Entre as mulheres pesquisadas que relataram já ter sofrido violência, 52% são mulheres negras e 49% recebem entre dois e seis salários mínimos. Para Tamara, “isso reflete que quanto mais vulnerável se está, mais vulnerável se fica”.

A pesquisa ainda indicou que apenas 5% denunciaram a violência sofrida ao RH – Recursos Humanos – das empresas e 33% não fizeram nada, evidenciando que “poucas denunciam, principalmente pela perda de autoconfiança e de confiança no seu local de trabalho”, ressalta Tamara.

A advogada explicou também como o patriarcado, as estruturas sexistas, machistas e misóginas permeiam o mundo do trabalho e sobre a importância do debate do tema e do monitoramento para se garantir implementação de regras já existentes e criar novos mecanismos. Segundo Tamara, “um dos caminhos para melhorar as estruturas de atendimento às vítimas e apuração dos casos pelas empresas são por meio das convenções coletivas, enquanto não temos a ratificação da Convenção 190 da OIT”.

Tamara Amoroso Gonçalves
Tamara Amoroso Gonçalves

Essa dificuldade da denúncia e de reconhecimento da situação de violência no mundo do trabalho, mesmo em empresas maiores com RHs mais estruturados, e a cumplicidade da sociedade de naturalizar esse tipo de violência, colocando a mulher como provocadora e não vítima, e o quanto isso cria afetações na subjetividade, como abalo na autoconfiança e quadro de ansiedade, foi reforçado Fernanda Magano, mediadora do webinário. Ela apontou ainda que todos esses elementos mostram “a importância de estarmos permanentemente em luta contra o sexismo e violência, e por um mundo de trabalho que seja mais justo e mais diverso”.

Em suas considerações finais, Denise Motta falou do desafio que é fazer com que todos entendam que a conjuntura maior de misoginia interfere nos direitos trabalhistas, em especial das mulheres. “Daí a importância de que os sindicatos batalhem nos municípios, nos estados, no páis e nas empresas privadas por legislações e convenções coletivas que coíbam o assédio moral e sexual. Não há movimento social classista e representativo sem combater a discriminação racial, homofobia e o preconceito contra as mulheres.”

Luba Melo, que coordenou o encontro, ressaltou que “nós do Comitê de Mulheres da ISP estamos na luta pela igualdade de gênero, contra a violência, o feminicídio e contra todos os ataques que enfrentamos, contra os discursos de ódio em cima das mulheres e do feminismo. É um discurso social-político-ideológico que precisa ser combatido”.