Governo brasileiro quer a ajuda do Google para aprovar a reforma da Previdência
Segundo notícia do jornal “O Globo”, o site direcionaria as buscas pelo tema para o conteúdo oficial do governo. A possível parceria recebe críticas por buscar manipular a população, usar dados pessoais do usuário de internet e por ferir o direito de acesso à informação e à liberdade de expressão.
Comms
A equipe de comunicação do presidente brasileiro Michel Temer se reuniu com representantes do Google em 11 de janeiro para discutir uma proposta de parceria sobre a reforma da Previdência. De acordo com o jornal “O Globo”, o site de buscas direcionaria o usuário que pesquisa o assunto ao conteúdo oficial do governo. Além disso, tal direcionamento levaria em conta o perfil desse usuário.
“Funcionaria mais ou menos assim: um trabalhador rural que colocasse o termo ‘previdência’ no mecanismo de busca receberia o conteúdo que explica, por exemplo, que essa categoria não será afetada pelas mudanças”, explica a nota do jornal “O Globo”.
Ainda segundo o jornal, o governo estaria especialmente interessado no YouTube. Ou seja, teria como objetivo atingir o público jovem.
Presidente desde o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff – processo que foi considerado um golpe institucional por grande parte da sociedade brasileira –, Michel Temer vem implementando políticas radicalmente neoliberais. Sua proposta de Reforma da previdência, que retira direitos adquiridos pelas trabalhadoras e trabalhadores brasileiros, tem a oposição de 66% da população, de acordo com uma pesquisa de opinião divulgada em 6 de janeiro.
“A proposta de desmonte da Previdência Social intentada pelo governo, indevidamente chamada de “reforma”, nada mais é do que uma transferência de renda às avessas, porque retira dos mais pobres para aumentar o capital disponível para os fundos de previdência privada administrados pelas instituições bancárias e para o pagamento de juros da dívida pública que o governo se recusa a auditar”, afirma Francelino Valença, Diretor de Formação Sindical e Relações Intersindicais da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (FENAFISCO), afiliada à Internacional de Serviços Públicos (ISP).
Sobre a possível parceria entre o governo e o Google, Valença diz que o objetivo é convencer a população, com o uso de “sofismas”, de que a “pseudo-reforma” é necessária e indispensável.
“Não bastou utilizar milhões de reais, dinheiro público que deveria ser utilizado para combater a pobreza e promover o desenvolvimento social, em campanhas midiáticas! O governo tenta, em seu último suspiro, tal qual um náufrago ao mirar a lanterna dos afogados, promover uma parceria com uma empresa privada para suprimir dos mais carentes o sonho cada vez mais longínquo da aposentadoria ao impor uma idade mínima de 65 para os homens e 62 para as mulheres, afinal em algumas regiões do Brasil a expectativa é abaixo de 50!”, protesta.
A notícia de parceria entre governo e Google também vem recebendo críticas de especialistas em comunicação e transparência governamental. O jornalista Fabiano Angélico, especialista em transparência e mestre em Administração Pública e Governo, acredita que usar o dinheiro público em comunicação somente pode ser aceitável para informar a sociedade sobre ações sociais e/ou de interesse público, principalmente nos casos em que se espera uma ação da população, como campanhas de vacinação ou cadastramento de biometria para as eleições.
“Isto é, faz sentido usar dinheiro do contribuinte para mantê-lo informado a respeito de algum fato concreto e sobre o qual não restam polêmicas e para estimulá-lo a tomar uma atitude concreta (ir ao cartório eleitoral ou ir ao posto de saúde). Informar sobre um fato é diferente de informar sobre uma versão. A reforma da Previdência não é consensual, portanto divulgar a proposta do Executivo é divulgar uma versão, não um fato”, diz.
“Em segundo lugar, usar informações pessoais para esse tipo de ação é um ato abusivo do direito à proteção de dados pessoais. É chegada a hora de empresas como Google (e Facebook), atores privados com enorme poder no espaço público, se posicionarem mais firmemente no sentido de não aceitarem compartilhar abusivamente, principalmente com o poder político e econômico, as enormes massas de dados pessoais que detêm”, completa Angélico.
Em artigo publicado em 16 de janeiro, a jornalista Marina Pita, coordenadora do Intervozes, coletivo que luta pelo direito à comunicação, escreve:
“Ainda que a publicidade oficial acerca da reforma da Previdência seja abusiva e ilegal, a nova cartada, de customizar as buscas online de acordo com o perfil do cidadão, pode ser ainda mais grave: ela não apenas direciona publicidade voltada à manipulação e não à informação (...) mas ainda afasta conteúdos com pontos de vista distintos, relegando-os a posicionamento inferior nos resultados de busca. É uma afronta ao direito de acesso à informação e à liberdade de expressão, à medida que apenas cidadãos informados podem emitir opinião livre e consciente.”
No mesmo artigo, ela lembra os altos gastos do governo federal com a publicidade em relação à reforma da Previdência – em tempos de congelamento de gastos públicos – e as contestações na Justiça sobre seu conteúdo, considerado mais de propaganda da visão governamental do que de informação aos cidadãos e cidadãs.