Entidades de classe e sindicatos lutam para garantir transparência no recrutamento e contratação de profissionais de saúde brasileiros em outros países

Diante do déficit de mão de obra causado por políticas neoliberais na saúde, países como Alemanha, Itália, Portugal, Canadá e EUA têm buscado no Brasil a contratação de profissionais da área, especialmente enfermeiras e enfermeiros. Mas a solução para a crise não deve ser a imigração desigual e o recrutamento enganoso. Os direitos de todxs xs trabalhadores devem ser respeitados.

A política neoliberal interna de países como Canadá, EUA e Alemanha é apontada como a principal causa para o recrutamento escalonado de profissionais estrangeiros. A mercantilização e a privatização do sistema de saúde nas últimas décadas, somada à crescente precarização sobrecarregaram xs trabalhadores locais com cargas de trabalho insustentáveis, fazendo com que muitos deixassem suas posições e o setor de saúde se tornasse menos atrativo para novos profissionais.

O aumento da demanda causada pela baixa natalidade e o envelhecimento da população - que também podem ser apontados como reflexo da pandemia de Covid-19 -, associadas à onda de refugiadxs e imigrantes estão ligadas à necessidade de recrutamento de trabalhadorxs estrangeiros, mas esse processo precisa respeitar as demandas dos trabalhadorxs, sua autonomia e seus direitos,  sendo responsabilidade dos governos assegurar aos trabalhadores imigrantes as condições necessárias para a adaptação cultural e profissional, de acordo com as leis internacionais do trabalho regidas pelas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O profissional imigrante ao chegar na Alemanha, independentemente da posição que ocupava no Brasil, começa a trabalhar como assistente, em um espaço para adaptação, que pode durar até 3 anos ganhando menos

Frente a esse cenário, a ISP e seus sindicatos afilados trabalham para proteger e garantir os direitos dos profissionais saúde em todo o mundo de forma coordenada. Além disso, a ISP trabalha no sistema da ONU para estabelecer acordos globais para proteger os trabalhadorxs migrantes e propor sistemas de monitoramento, com base no documento lançado pelas Nações Unidas em 2019, que combina os princípios e diretrizes gerais da OIT para o recrutamento justo e a definição de taxas de recrutamento e custos relacionado.

No Brasil, trabalhamos ao lado da Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE), da Confederação Nacional de Trabalhadores da Saúde (CNTS) e demais entidades de saúde afiliadas conjuntamente com o Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil para garantir melhores condições e clareza nos processos de contratação e recrutamento.

Entendendo que o direito de migrar é equivalente ao direito a não migrar, o que essas entidades defendem é que o recrutamento e a contratação de profissionais estrangeiros não pode ser a solução para a crise neoliberal enfrentada internamente pelos países ricos. Como em qualquer setor, a melhor garantia para proteger e ampliar diretos e melhorar as condições de trabalho são sindicatos fortes e atuantes.

Falsas promessas

O crescimento desordenado e não regulado de migração de profissionais de saúde tem riscos claros e altos de enganação, superexploração, frustração, desvio de função, racismo e assédio de todos os tipos. Não existe, neste momento, nenhuma garantia que os diretos básicos desses trabalhadorxs estejam sendo respeitados.

Uma empresa de contratação alemã ficou com 67% do salário de uma enfermeira da Costa Rica - 1.200 euros de um salário de 1.800 euros. À enfermeira só lhe restou 600 euros do seu salário durante o período de reconhecimento de qualificações

Nos últimos anos, a problemática vem se agravando porque agências privadas estão realizando o recrutamento de profissionais com falsas alegações e condições de contratação desvantajosas para xs trabalhadorxs. A precarização e as assimetrias de atribuições enfrentadas por enfermeiros e enfermeiras brasileiras na Alemanha parecem ser maiores e vêm chamando a atenção e as contratações resultantes do processo de recrutamento com cara de aliciamento, resultam em grandes frustações.

“Falta estrutura pra receber tantos estrangeiros de várias nacionalidades, tanto no quesito de integração cultural, quanto condições de trabalho”, afirma uma enfermeira brasileira que migrou para a Alemanha em 2019 recrutada por uma empresa para trabalhar no país.

Conforme o relato da enfermeira - que não será identificada -, a graduação e o trabalho de uma enfermeira na Alemanha e no Brasil são diferentes, começando pela formação nos dois países: enquanto no Brasil é necessário um curso de nível universitário de 4 a 5 anos, com formação teórica e prática, na Alemanha consiste em uma formação técnica com três anos de duração.

Na prática, o profissional no Brasil tem menos atribuições e mais autoridade, enquanto na Alemanha exercem algumas tarefas que seriam atribuídas aos técnicos ou auxiliares de enfermagem. Diante disso, o profissional imigrante ao chegar na Alemanha, independentemente da posição que ocupava no Brasil, começa a trabalhar como assistente, em um espaço para adaptação, que pode durar até 3 anos ganhando menos.

Além disso, o processo para o reconhecimento do profissional é penoso. “Durante o reconhecimento de diploma não somos contratados nem como auxiliar de enfermagem. Somos contratados como se fôssemos estudantes. Na teoria, era para ser um trabalho mais observacional, pois pelas leis alemãs não podemos nem mesmo administrar medicamentos intravenosos, por exemplo. Mas na prática, assumimos plantão como qualquer outra enfermeira”, relata.

A Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE) se posiciona com extrema preocupação pois assustam números construídos e forjados sobre a existência de um excesso de enfermeiros/as no Brasil, corroborando para necessidade de empurrar profissionais para subempregos em outros países, sem garantir direitos trabalhistas e uma vida digna equiparada aos trabalhadores locais.

Para a Federação não é bem verdade que há benefícios para todos os envolvidos nesse processo de contratação de mão de obra por meio do recrutamento internacional de profissionais de saúde. Há muitos relatos de profissionais que têm desistido da incursão de trabalhar no país Europeu, seja pelas condições abusivas impostas pelas agências de recrutamento, seja pelas assimetrias entre as atribuições dos profissionais de enfermagem em ambos os países. Todos os profissionais de saúde devem ter boas condições de trabalho, independentemente de sua origem.

Como forma de tentar barrar as falsas promessas, o Conselho Federal de Enfermagem do Brasil - COFEN e a Agência Federal de Emprego da Alemanha - BA firmaram um acordo de cooperação para tentar definir critérios para uma intermediação “justa” de trabalhadorxs como profissionais de enfermagem na Alemanha. No entanto, os sindicatos e a entidades representativas da classe não foram consultadas e o acordo foi firmado sem diálogo com os representantes sindicais e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

“O que eu ouço de novos contratados da América Latina é que agora as empresas recrutadoras deixam essas pessoas reféns por muito tempo! Quando chegamos aqui, essas empresas são responsáveis por nos instalar em um apartamento e cuidar das burocracias como seguro saúde, abertura de conta bancária, inscrição na prefeitura. Durante a abertura de conta, eles botam várias taxas que eles cobram da cabeça deles em débito automático. Então, assim que a pessoa recebe o salário, boa parte vai diretamente para a empresa recrutadora. Ouvi relatos de uma profissional da Costa Rica que me disse que mal sobrava 600 euros para ela passar o mês. Sendo que o nosso salário em fase de reconhecimento de diploma é, em média, de 1800 euros”, conta a enfermeira ouvida pela ISP.

Após reuniões com representantes da ISP e afiliados brasileiros, o chefe de relações internacionais do Ministério do Trabalho do Brasil, Valter Sanches, confirmou que, "para o governo brasileiro, representado pelos ministérios da Saúde, do Trabalho e Emprego e das Relações Exteriores, qualquer processo migratório de profissionais brasileiros que venha a ocorrer, deve necessariamente ser pautado pelos princípios de migração justa da ONU e, por meio de um entendimento com os sindicatos do Brasil e da Alemanha, que sejam garantidas boas condições de trabalho, salário, jornada, benefícios, etc.". Nesse caso específico, o salário mínimo nacional de enfermagem deve ser a referência para os salários oferecidos durante o período de preparação. Além disso, negociaremos contribuições com o governo da Alemanha, já que foi o Estado brasileiro que investiu na formação desses profissionais."

A ISP continuará coordenando estratégias internacionais com seus afiliados para garantir que os direitos dxs trabalhadorxs sejam respeitados, não importa onde eles escolham viver e trabalhar.