Dirigentes do Brasil participam de 2º encontro sub-regional sobre violência no mundo do trabalho

Nesta quarta-feira, 21 de outubro, aconteceu o segundo encontro “Rumo a uma América Latina Livre de Violência e Assédio no Mundo do Trabalho”, promovido pela Internacional de Serviços Públicos (ISP) Interaméricas no âmbito no projeto FORSA “Violência de Gênero na América Latina”. Essa edição teve como foco a sub-região do Brasil. Por Fernanda Fiot e Igor Ojeda.

Ao todo, serão quatro encontros sub-regionais que discutirão o tema. O primeiro, realizado em 8 de outubro, reuniu dirigentes do Cone Sul. A terceira atividade, dia 28, terá a participação de filiadas dos Países Andinos, enquanto o último encontro, em 11 de novembro, contará com líderes da sub-região do México, América Central e República Dominicana.

Assista ao encontro do Brasil, na íntegra, no vídeo abaixo:

Video

Foi realizado na quarta-feira, 21 de outubro, o segundo de quatro encontros sub-regionais que a Internacional de Serviços Públicos (ISP) está organizando na região no marco do projeto Forsa "Violência de Gênero na América Latina". Feita de maneira virtual, a atividade reuniu dirigentes sindicais de filiadas do Brasil.

Encontro "Rumo a uma América Latina livre de Violência e Assédio no Mundo do Trabalho" - Brasil

A secretária sub-regional da ISP para o Cone Sul, Nayareth Quevedo, coordenadora do projeto Forsa, abriu o evento virtual lembrando que a crise sanitária causada pelo novo coronavírus fez com que o teletrabalho passasse a fazer parte da vida de muitos trabalhadores e trabalhadoras. Dessa forma, surgiram dificuldades ligadas ao acesso à tecnologia, impacto nos lares e dilemas de saúde e segurança. “Foram evidenciadas as desigualdades existentes, principalmente a desigualdade de gênero, que se converteu em um perigo mortal em alguns lares”, afirmou Nayareth, referindo-se ao aumento da violência doméstica no período.

Luba Melo, representante titular do Brasil no Comitê Mundial de Mulheres da ISP (WOC), trouxe números que mostram o quanto o país precisa avançar em relação à igualdade de gênero. “Somos o quinto país no mundo em feminicídios. No Brasil, ocorre um estupro a cada oito minutos”.

Diante dessa situação, Denise Motta Dau, secretária sub-regional da ISP para o Brasil, afirmou que é fundamental que existam políticas públicas para enfrentar o assédio e a violência de gênero no mundo do trabalho. Ela ainda falou sobre a pesquisa realizada pela ISP Brasil “Trabalhadoras e Trabalhadores Protegidos Salvam Vidas”, que evidenciou um sofrimento psíquico muito maior entre as mulheres trabalhadoras da saúde e dos serviços essenciais durante a pandemia.

Verónica Montúfar, Responsável mundial de género da ISP, ressaltou que a pandemia provocou a exacerbação das desigualdades e a vinda à tona de outras crises em razão da existência prévia de uma construção social e política desigual. “Duas dessas crises que vêm à tona e que se destacam como assuntos de total urgência é crise em torno ao cuidado e crise em torno da violência”, disse.

“O trabalho de cuidado não remunerado continua tendo uma carga de invisibilidade sobretudo em relação à contribuição econômica que esse trabalho traz não somente à sociedade como também à acumulação de capital. E, por outro lado, há o trabalho remunerado de cuidado que é desvalorizado, onde existem más condições de trabalho e, também, desigualdade salarial”, apontou ela, para quem o não reconhecimento do direito humanos ao cuidado se reflete na total ausência de sistemas públicos de cuidado.

Segundo Montúfar, vivemos o momento em que o contexto e a conjuntura política internacional exigem que se abra o debate sobre uma reformulação do conceito de trabalho de cuidado que parta de seu reconhecimento econômico, de sua redução e de sua redistribuição, mas, fundamentalmente, da intervenção do Estado através da restauração de sistemas públicos de cuidado. “Pensamos que essa desigualdade existente em relação ao trabalho de cuidado vai gerando as condições materiais, psíquicas e ideológicas para apresentar e gerar violência nas relações de gênero, portanto, se conseguirmos alterar o papel secundário do trabalho de cuidado, existirão condições para se gerar uma redução da violência”, concluiu.

Verónica Montúfar, Responsável mundial de gênero da ISP
Verónica Montúfar, Responsável mundial de gênero da ISP

Para María Fernanda Villegas, do Centro de Estudos do Trabalho (CETRA), do Chile, a sociedade patriarcal heteronormativa na qual vivemos produz sempre violência de gênero e mais desigualdade por meio de um círculo vicioso. Para ela, embora tenham sido desenvolvidos elementos protetores da vida e dos direitos das mulheres, existem muitos elementos incitadores da violência que são normalmente entendidos como naturais e não como construções sociais a partir de modelos de desenvolvimento determinados.

“Além de esses elementos, as crises também são fatores estimulantes tanto ao naturalizar a violência de gênero como ao invisibilizá-la como um problema político. Por outro lado, existem fatores protetores que devem ser levados em conta, como, por exemplo, a Convenção 190 da OIT. Essa convenção pode efetivamente nos ajudar e ser um fator protetor. A mesma coisa em relação a políticas públicas com enfoque de direitos, mas não aquelas que entendem as mulheres como receptoras de fundos de transferência, mas sem redistribuição social de trabalho. Por fim, um importante fator protetor em relação à violência de gênero é uma maior habilitação laboral e o trabalho remunerado de qualidade”, explicou.

Villegas chama a atenção para o fato de que a pandemia tem feito aumentar o trabalho não remunerado de cuidado das mulheres não somente nos lares, mas também nas comunidades. “As iniciativas para conter os efeitos das crises no nível comunitário ficam sob responsabilidade das mulheres. Existem funcionárias públicas doando tempo adicional para apoiar suas comunidades.”

María Fernanda Villegas, do Centro de Estudos do Trabalho (CETRA), do Chile
María Fernanda Villegas, do Centro de Estudos do Trabalho (CETRA), do Chile

Por sua vez, Viviana García, diretora na Federação Nacional de Profissionais da Saúde (FESPROSA) da Argentina, explicou detalhadamente às participantes do encontro os aspectos e dimensões da Convenção 190 da OIT sobre Violência e Assédio no Mundo do Trabalho. Mas, previamente, ela ressaltou que a violência e o assédio sempre acontecem quando existem relações desiguais de poder.

“Quem sofre maior violência e assédio são justamente as, os e es trabalhadores a quem o patriarcado atribui um papel na esfera pública. A origem da divisão sexual do trabalho se deu com as mulheres como responsáveis pelo âmbito doméstico, pelo trabalho de cuidado, pela reprodução da vida. Com o capitalismo, essa divisão se repetiu no âmbito público e se atribuiu às mulheres os trabalhos de cuidado, de menor qualidade, de maior informalidade e menos remunerados”, afirmou.

Segundo García, o grande mérito da Convenção 190 é estabelecer o vínculo total entre as relações laborais e os direitos humanos. “A Convenção reconhece o mundo do trabalho não somente como o espaço físico. Vai além: é o espaço do lar, da capacitação, da formação, do ir e vir, tudo isso é o mundo do trabalho. Seja formal ou informal”, explicou.

Entre outros méritos desse instrumento, para a diretora da FESPROSA, estão a inclusão de terceiras partes, como pacientes, usuários de serviços públicos e clientes, como integrantes do mundo do trabalho, o reconhecimento dos fatores de risco psicossociais, e a menção às diversidades e identidades de gênero.

Viviana García, diretora da FESPROSA
Viviana García, diretora da FESPROSA

Na parte final do encontro, foram apresentadas experiências sindicais que abordam o assédio e a violência no mundo do trabalho. Luba Melo, secretária de mulheres do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (SINDSEP-SP), salientou a importante conquista das servidoras durante a gestão do prefeito Fernando Haddad com a promulgação, em 2016, da lei 16.488, uma legislação pioneira – mais ampla que o próprio Código Penal – que coíbe o assédio sexual no trabalho.

Porém, ela também falou sobre o aumento de denúncias a partir de 2018, quando o sindicato decidiu não só encaminhar essas vítimas, mas também acolhê-las, criando o Comitê de Combate ao Assédio Sexual. Foi assim que teve início a campanha “A política é pública, meu corpo não”, que tem promovido uma série de oficinas, aulas públicas e publicações com o objetivo de informar e formar.

Luciana de Freitas, presidenta do Sindicato dos Servidores Municipais de Presidente Prudente e Região (SINTRAPP), falou sobre a participação da entidade no curso de Promotoras Legais Populares. “Nós sediamos esse curso que tem como objetivo o empoderamento da mulher por meio do acesso à informação e formação sobre igualdade e respeito aos seus direitos como cidadãs”, afirmou Luciana, que também destacou a participação do sindicato na Frente pela Vida das Mulheres, criada em 2018.

Para finalizar, Denise Motta Dau salientou a importância de que, neste ano de eleições municipais no Brasil, os próximos governos assumam o compromisso da adesão política à Convenção 190 da OIT e elaborem, em parceria com os movimentos e entidades sindicais, legislações próprias. “É muito importante que as entidades sindicais dialoguem com essas candidaturas para que assumam essa pauta. É possível, mesmo com um presidente autoritário, avançarmos”.