Brasil: profissionais relatam o drama de trabalhar sem EPIs suficientes e treinamento

A falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) e de treinamento e o sofrimento psíquico na linha de frente de combate à pandemia de Covid-19 foram os principais pontos indicados por trabalhadoras e trabalhadores de serviços essenciais na pesquisa "Trabalhadoras e Trabalhadores Protegidos Salvam Vidas”, realizada pela Internacional de Serviços Públicos (ISP) e cujos resultados foram divulgados em seminário nesta terça-feira, 25 de agosto.

Por Fernanda Fiot e Silvana Cortez

Os resultados sintetizados pelos pesquisadores Patrícia Pelatieri, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), e Jandir Pauli, da Faculdade Meridional e do Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP), relevam que 63% dos trabalhadores e trabalhadoras pesquisados disseram que a quantidade de EPIs fornecida em seu local de trabalho era insuficiente para troca e higienização, principalmente para os que cumprem turnos de mais de 12 horas; 77% relataram que não tiveram nenhum treinamento para lidar com a realidade do trabalho que desenvolvem junto à população no contexto de uma pandemia; e 54% dos trabalhadores e trabalhadoras sofreram por ter de lidar com situações às quais não se sentiam devidamente capacitados, ocasionando sofrimento psíquico.

A coleta de dados foi realizada entre 31 de março e 15 de junho com 3.036 participantes. 86% dos respondentes eram trabalhadorxs da saúde, 75% mulheres.

Relatório analítico dos resultados da enquete da campanha "Trabalhadoras e trabalhadores protegidos salvam vidas

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O levantamento, realizado entre 31 março e 15 de junho de 2020, teve como objetivo avaliar os impactos da pandemia de Covid-19 nas condições de trabalho e na saúde de milhões de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros que atuam direta e indiretamente no combate à esta emergência.
Questão de gênero

“Claramente, percebemos uma maior incidência de sofrimento psíquico entre as mulheres e aqueles que preferem não declarar seu gênero. Entre as mulheres, 57% informaram passar por sofrimento psíquico neste período, já entre respondentes homens a porcentagem é de 44%, o que nos dá margem para analisar essa questão a partir das desigualdades de gênero: dupla – ou tripla- jornada de trabalho feminina, menores salários, maior precarização das relações de trabalho, falta de compartilhamento das tarefas domésticas com a família, mulheres como chefas de família e, portanto, maiores reponsabilidades, pressão e sobrecarga de trabalho, agravadas por exposição ao assédio moral e/ou sexual”, explica o pesquisador do CEAP.

Para a pesquisadora da Dieese, os dados de sofrimento psíquico guardam provável relação com a falta de equipamentos de proteção, treinamento adequado e jornada excessiva de trabalho. Segundo Pelatieri, outro dado que chama atenção é o volume e a dramaticidade dos relatos apresentados em uma pergunta não obrigatória, mas respondida por 55% dos participantes da enquete, sobre comentários gerais em relação às condições de trabalho. “Um grande volume destes comentários detalha os dramas vividos pelos trabalhadoras e trabalhadores em condições de risco sem equipamentos e tendo que lidar com situações para as quais não foram devidamente capacitados.”

“Um grande volume dos comentários detalha os dramas vividos pelos trabalhadoras e trabalhadores em condições de risco sem equipamentos e tendo que lidar com situações para as quais não foram devidamente capacitados.”

As palavras mais descritas na pergunta aberta sobre sofrimento psíquico foram: ansiedade, estresse, medo, pânico, insônia, angústia e pressão.

Outro dado alarmante é de que 94% dos trabalhadores informaram que não foi oferecida hospedagem no local de trabalho a quem não poderia retornar para casa por conviver com pessoas do grupo de risco.

O procurador do Ministério Público do Trabalho, Ronaldo Lima dos Santos, destacou a importância da pesquisa da ISP, afirmando que a situação da pandemia é de guerra, e, por isso, é preciso ter dados para a tutela eficaz dos profissionais.

Como indicativos, a pesquisa aponta a necessidade de ações de curto prazo para regularização do fornecimento de EPIs, gestão da carga horária de trabalho e apoio psicológico. Diante dos resultados, Denise Motta Dau, secretária sub-regional da ISP para o Brasil, enfatiza que também é preciso ações estruturais para melhoria das condições de trabalho, como políticas de valorização e reconhecimento, de representação, de humanização e de gestão do trabalho.

Manifesto

Ao final do seminário, foi divulgado o Manifesto “Proteger para Salvar - o futuro do Trabalho na Saúde e serviços essenciais”. Assinado por dezenas de entidades representantes de trabalhadores, o documento enumera uma série de propostas para superar a crise causada pela pandemia de Covid-19, como reforma tributária solidária e justa, revogação Emenda Constitucional 95 e recuperação do SUS.

Manifesto “Proteger para Salvar vidas - o futuro do Trabalho na Saúde e nos serviços essenciais”

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Assinado por dezenas de entidades representantes de trabalhadoras e trabalhadores, o documento enumera uma série de propostas para superar a crise causada pela pandemia de Covid-19, como reforma tributária solidária e justa, revogação Emenda Constitucional 95 e recuperação do SUS.