Brasil: Com a ômicron, trabalhadorxs da saúde de São Paulo revivem sobrecarga e sofrimento

Número de pacientes em UTI cresceu junto com o de profissionais afastados por gripe ou covid-19. No dia 17 de janeiro a Prefeitura do município informou que o coronavírus e o influenza haviam causado o afastamento, respectivamente, de 1.403 e 5.200 trabalhadores e trabalhadoras do setor, representando 5% das equipes nas unidades de saúde.

São Paulo, maior município brasileiro, enfrenta um considerável aumento no número de pacientes internados com covid-19 por causa da nova variante ômicron e com gripe. Profissionais da rede de saúde estão sentindo a pressão: São quase 2,7 mil médicxs, enfermeirxs e agentes em licença após apresentarem testes positivos. 

A Secretaria Municipal da Saúde diz que contratou 280 enfermeirxs, médicxs e agentes em dezembro de 2021, e que pediu a contratação de outrxs 800 profissionais. No entanto, a categoria informa que a realidade é bem diferente e reivindica mais estrutura e a contratação urgente de pessoal de forma a dar conta da grande procura por atendimento. 

Foto: SIMESP
Foto: SIMESP

Para Carolina Pastorin Castineira, secretária de Relações de Trabalho do Sindicato dos Médicos de São Paulo (SIMESP), filiado da Internacional de Serviços Públicos (ISP), trabalhadorxs da saúde estão sofrendo desde o início da pandemia com a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), excesso de adoecimento por saúde mental e físico, e com a falta de estrutura nas unidades de saúde. “Pacientes com doenças crônicas que precisam de seguimento estão sem conseguir marcar as consultas, pois os médicos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) estão extremamente sobrecarregados, atendendo até 150 pacientes por dia com suspeita de gripe ou covid. Ou seja, o caos se instalou principalmente na atenção primária à saúde”, conta a dirigente. 

Segundo pesquisa nacional realizada pela Internacional de Serviços Públicos no marco da campanha “Trabalhadoras e Trabalhadores Protegidos Salvam Vidas”, já em 2020, 63% dos profissionais não tinham EPIs suficientes. 

A pesquisa também colheu dados referentes à saúde mental, indicando que 54% das e dos profissionais ouvidos afirmaram que estavam em sofrimento psíquico. Desse número, 59,2% trabalhavam em serviços de saúde de alta complexidade. 

Se continuar com esta sobrecarga, sem descanso, sem férias e sem testagem, corremos o risco de não ter profissionais para atender a população,

Castineira comenta ainda que a Prefeitura de São Paulo não ouve adequadamente as e os profissionais. “A Prefeitura faz um jogo de empurra-empurra com as Organizações Sociais que gerem a maioria dos serviços de saúde na cidade de São Paulo e não abre espaço para negociação, pois ela suspendeu unilateralmente a mesa técnica de negociação que havia com a bancada sindical”, afirma. 

Segundo Elaine Leoni, presidenta do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo (SEESP), também filiado à ISP, as entidades da saúde estão mobilizadas, fazendo panfletagens nos locais de trabalho, chamando a população a apoiar o movimento e fazendo um alerta: “Se continuar com esta sobrecarga, sem descanso, sem férias e sem testagem, corremos o risco de não ter profissionais para atender a população, pois estes estão adoecendo devido às péssimas condições as quais estão submetidos”. 

Já segundo a médica Juliana Salles, secretária-geral do Sindicato dos Médicos de São Paulo, a Prefeitura impediu uma greve que seria realizada no dia 19 de fevereiro com forte repressão e ameaças, mas as reuniões continuam e as entidades tentam melhorar as condições. “Estamos vendo um aumento no número de adoecidos. No dia 13 eram mais de 3.100 profissionais da saúde doentes. No dia 22 havia mais de 5.200 afastados. A situação está ficando caótica, e não há planos ou contratações para suprir a demanda”. 

A dirigente do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (SINDSEP, igualmente filiado à ISP) Luba Melo relata que os trabalhadores e trabalhadoras da linha de frente seguem adoecendo e os hospitais, AMAS (Assistência Médica Ambulatorial) e UBS continuam lotadas, mas o movimento continua na Câmara Municipal e nas ruas para denunciar o descaso com as políticas públicas. “A falta de concursos públicos e contratos precários é uma realidade, e, diante de uma crise de saúde pública, a população sofre ainda mais, sem equipamentos adequados, sem medicamentos e sem testes”. 

No dia 31 de janeiro, os e as trabalhadoras das Unidades Básicas de Saúde, junto com seus sindicatos, realizaram um ato unificado exigindo investimentos na saúde. Foram feitos atos simultâneos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Entre as reivindicações estavam a contratação de mais profissionais, pagamento de plantões extras para todos os funcionários, condições adequadas de atendimento e um plano de enfrentamento à covid-19. 

  

Precarização premeditada 

Com a instituição do Teto de Gastos (EC 95/2016), o Sistema Único de Saúde (SUS) ficou fragilizado, pois a medida impede o crescimento dos gastos sociais do governo por até 20 anos. A área da saúde saiu ainda mais prejudicada por causa do enfrentamento da pandemia de covid-19.  

Desde 2016, após o golpe que cassou a legítima e eleita presidenta Dilma Rousseff, os serviços públicos vêm sofrendo diversos cortes e ataques, reflexo de governos ultraliberais e que impuseram essa visão no Brasil primeiro com Michel Temer, depois com Jair Bolsonaro. 

 O Teto dos Gastos define que o limite das despesas é determinado pelo montante do ano anterior corrigido pela inflação, implicando em uma redução dos gastos sociais, pois o teto não acompanha o crescimento populacional e, na saúde, não leva em conta o crescimento e as demandas do SUS. Dessa maneira, o setor público acaba prejudicado e prioriza-se o sistema privado. 

 No entanto, a falta de comprometimento do governo federal também contribui com a precarização: nesse mesmo ano, não cumpriu o repasse dos 15% da receita corrente líquida do Estado para a saúde, conforme preza a Constituição.

 Com esse breque nos investimentos, o Teto dos Gastos faz aumentar a desigualdade nos atendimentos entre as regiões. Em 2019, as regiões com maiores concentrações de planos de saúde privados eram o Sudeste (37,5%) e Sul (32,8%), enquanto as regiões Nordeste (com 77,8%) e Norte (com 76,2%) concentram os maiores números de internados em hospitais do SUS. 

 Outro evento que é consequência do sucateamento do SUS foi o fim do programa Mais Médicos, em 2019. O programa, criado na gestão de Dilma Rousseff, em 2013, permitiu que 20 mil trabalhadores e trabalhadoras cubanas atendessem 113 milhões de pacientes no Brasil. Contudo, a parceria foi rompida após comentários do presidente Jair Bolsonaro que questionavam a capacidade dos e das profissionais. Bolsonaro, inclusive, propôs um projeto para suplantar a falta de médicos, chamado Médicos Pelo Brasil, que nunca saiu do papel. 

A mais recente das ameaças, no entanto, é a PEC 32, conhecida como PEC da Reforma Administrativa e que incorpora a visão ultraliberal do governo nos serviços públicos. Ela prevê mudanças como o fim da promoção por tempo de serviço, da estabilidade de emprego, do acesso pelos concursos públicos e do Regime Jurídico Único, possibilitando novas formas de contratação, e submete o corpo funcional do Estado à situação orçamentária, com seus altos e baixos. 

A ISP apoia a revogação do Teto de Gastos e tem denunciado o mal que essa medida causou aos serviços públicos, em especial no setor saúde por causa da pandemia. Nos posicionamos também veementemente contra a PEC 32.