Argentinas conquistam direito ao aborto seguro e gratuito

Após 15 anos de mobilização da Campanha Nacional pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito, a Argentina encerra 2020 liberando esse direito às mulheres e à saúde pública em todo país.

O Projeto de Lei pela Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE na sigla em espanhol) chegou ao Senado em 2018, quando passou por um duro embate e derrota. Mas na última terça (29), a matéria em votação veio do governo do presidente Alberto Fernández, em cumprimento à promessa feita durante a campanha, de legalizar o aborto até o final de seu primeiro ano de mandato.

Após mais de 10 horas de exaustivo debate, idas e vindas, e com pressão maciça das mulheres, o painel do Senado registrou às 4h13 desta quarta-feira (30), 38 votos favoráveis, 29 contrários e uma abstenção ao projeto que legaliza o aborto até a 14ª semana de gestação. Como a notícia mais esperada do ano, a comemoração a uma das maiores conquistas das mulheres teve gritos e abraço coletivo.

Argentina está agora posicionada ao lado de Cuba, primeiro país da América Latina a legalizar o aborto sem restrições, Uruguai e a Cidade do México. Ficamos felizes por nossas hermanas e nessa luta nos revigoramos para intensificar a nossa luta no Brasil, onde a interrupção voluntária da gestação ainda é crime, com penas previstas de um a três anos detenção para a gestante, e de um a quatro anos de reclusão para o médico ou qualquer outra pessoa que realize o procedimento.

Em pleno século 21, o SUS registrou somente no ano passado cerca de 195 mil internações por aborto (espontâneos e por decisão judicial ou médica). A média é de 535 internações por dia. Já os abortos por motivos previstos em lei, previstos quando há risco de vida para a mulher, resultante de estupro e em gestação de feto anencefálico, são minoria.

Desigualdade de informação e desigualdade social. Duas faces da mesma moeda.

A possibilidade de ter informação e recursos para a interrupção voluntária da gravidez está diretamente ligada a melhores índices de saúde, enquanto o avanço de governos conservadores na região e da maior influência política de movimentos fundamentalistas, como no Brasil, geram maior vulneração de direitos, maior taxa de mortalidade por abortos inseguros e de partos forçados.

As principais vítimas fatais em decorrência de complicações por aborto são mulheres negras. Entre 2009 e 2018, o SUS registrou oficialmente 721 mortes de mulheres por aborto. A cada 10 que morreram, 6 eram pretas ou pardas.

"Sem dúvida é um tema difícil, doloroso e que muitas pessoas preferem varrer pra debaixo do tapete, ou simplesmente dizer que são contra sem debater a questão, que é de saúde pública, educação e informação. Apesar de muito tabu na discussão, muitas pessoas fazem em silêncio, em lugares seguros, sem constrangimento e seguem a vida. Sobreviver a um aborto é um privilégio de classe, como afirma um dos materiais da campanha pela legalização do aborto na Argentina. Sim, as mulheres vão continuar realizando abortos independente da legislação e da opinião pública", avalia Luba Melo, secretária da Mulher Trabalhadora do Sindsep-SP e coordenadora do Comitê Mundial de Mulheres da ISP.

O aborto será severamente punido, com a vida até – quando realizado de forma insegura –, se se tratar de uma mulher pertencente a camadas mais pobres. Portanto, é uma questão social. Os números confirmam isso. Uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já realizou um aborto no Brasil, o equivalente a cerca de 4,7 milhões de mulheres.

Nossa expectativa é que o avanço obtido na Argentina pela lei cause um grande impacto regional, pela vida das mulheres.