Nota do Comitê de Mulheres da ISP Brasil sobre o direito ao aborto

Nosso repúdio e promessa de luta contra as visões patriarcais arcaicas que negam os direitos das mulheres e querem impor desde sempre o controle dos corpos femininos. Para nós do Comitê de Mulheres da Internacional de Serviços Públicos (ISP) no Brasil, o Estado tem o papel e o dever de descriminalizar para cuidar, e não omitir socorro.

O Comitê de Mulheres do Brasil da Internacional de Serviços Públicos (ISP), sindicato global organizado em 154 países, representando 30 milhões de trabalhadores e trabalhadoras do setor público e do setor privado de natureza pública, manifesta seu repúdio e promessa de luta contra as visões patriarcais arcaicas que criminalizam o aborto e negam os direitos das mulheres.

O aborto é um tema de saúde pública que necessita ser discutido com urgência no Brasil, principalmente como forma de garantir os direitos reprodutivos das mulheres. Por ainda ser ilegal no país e feito de maneira clandestina, o procedimento é uma das principais causas da mortalidade das mulheres. Pesquisas indicam que, a cada dois dias, uma mulher morre vítima de aborto inseguro no Brasil e, todos os anos, ocorrem 1 milhão de abortos clandestinos. São, ainda, 250 mil internações no SUS (Sistema Único de Saúde) e R$ 142 milhões gastos por causa de complicações pós-aborto, segundo dados de 2018.

Em 2020, de acordo com levantamento do G1 por meio do DataSUS, o Sistema Único de Saúde já fez 81 mil procedimentos por causa de abortos malsucedidos. Segundo levantamento, o número é 79 vezes maior do que o referente aos abortos realizados de maneira legal no Brasil. Em 2019, esse número foi ainda maior e bateu 89.724 procedimentos.

É sabido que o Brasil permite o aborto em apenas três situações: quando a gravidez apresenta risco de morte materna; em caso de gravidez decorrente de estupro; e anencefalia do feto. O país, há oitenta anos, mantém o mesmo ordenamento na questão do aborto, só alterado por definição jurídica e não política, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), há oito anos, acrescentou a interrupção de gestação de fetos anencéfalos.

Apesar da proibição, o aborto é prática frequente, faz parte do cotidiano e está presente em todas as classes sociais, grupos raciais, níveis de escolaridade e religiões. Pesquisa Nacional de Aborto de 2016 constatou que uma em cada cinco mulheres, aos 40 anos, já realizou um aborto e que as mulheres que abortam são, em geral, casadas, têm filhos e 88% delas se declaram católicas, evangélicas, protestantes ou espíritas.

A maioria dos abortos praticados é ilegal, ou seja, realizado fora das condições necessárias, o que revela que o aborto é um dos maiores problemas de saúde pública. Dados indicam também que metade das mulheres que abortou precisou ser internada para finalizar o procedimento.

A escolha estatal de criminalizar a interrupção voluntária da gravidez leva as mulheres que abortam a não terem acesso a um serviço de saúde adequado e seguro. E, portanto, negam a própria norma que criminaliza o aborto, uma vez que tal regra não é capaz de diminuir o número de abortos e, ao mesmo tempo, impede que mulheres tenham acesso à saúde, necessário para que seja realizado de forma segura ou para que mulheres possam planejar a vida reprodutiva.

O direito das mulheres de escolher se querem ou não interromper uma gravidez é um dos aspectos dos direitos reprodutivos, necessário para proteger e sustentar a liberdade. É o direito à livre escolha de cada uma, segundo suas necessidades, que está profundamente relacionado com aspectos econômicos, sociais, culturais, políticos, afetivos, conjugais, psíquicos etc.

Diante disso, deve-se considerar também que a maioria das mulheres que fazem aborto clandestino e que correm o risco de morrer é pobre. A falta de acesso à informação e renda faz com que as mulheres periféricas sejam as maiores vítimas da lei, que não garante a elas o poder de escolha sobre o próprio corpo.

A descriminalização do aborto é uma questão de saúde pública, que visa evitar a morte de mulheres que, desesperadas e sem alternativas, recorrem a serviços clandestinos que têm ao seu alcance. Assim, são as mulheres mais pobres as que mais sofrem as consequências da proibição, diante do impedimento do Sistema Único de Saúde de fornecer o serviço médico para a interrupção voluntária da gestação, o que contribui para aprofundar a desigualdade social.

Vejamos o que revela a pesquisa “Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais?”, publicada em fevereiro de 2020 nos Cadernos de Saúde Pública, revista da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz):

  • As maiores vítimas do aborto no Brasil são mulheres negras, menores de 14 anos e moradoras da periferia; são elas também as que mais morrem após interrupções da gravidez realizadas de forma insegura. "O que mata não é o aborto. É a clandestinidade”.

  • Por conta da desigualdade, ou seja, da falta de recursos, as negras, indígenas e moradoras de regiões distantes dos grandes centros, além de adolescentes menores de 14 anos, são as que mais morrem devido aos procedimentos clandestinos mal sucedidos, que levam a inúmeras complicações.

De acordo com os autores da pesquisa, “embora os dados oficiais de saúde não permitam uma estimativa do número de abortos no país, foi possível traçar um perfil de mulheres em maior risco de óbito por aborto: as de cor preta e as indígenas, de baixa escolaridade, com menos de 14 e mais de 40 anos, vivendo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e sem companheiro.”

São exatamente esses grupos que precisam de acesso e formação sobre planejamento reprodutivo e atenção pré-natal para reduzir ocorrências de aborto.

Vale destacar que um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentado pela renomada publicação médica The Lancet em 2016 chegou à conclusão de que países que proíbem o aborto não conseguiram frear a prática, apresentando taxas acima daqueles locais onde o aborto é legalizado. Já nos países onde a prática é autorizada, ela foi acompanhada por uma ampla estratégia de planejamento familiar e acesso à saúde que levaram a uma queda substancial no número de abortos realizados.

O resultado do levantamento indica que os países onde a prática é legalizada são mais ricos e que lá os abortos caíram de 46 casos por cada mil mulheres em 1990 para apenas 27 em 2014. Nos países em desenvolvimento, onde o aborto é proibido, a redução foi insignificante, de 39 para 37 casos.

Segundo a organização global Center for Reproductive Rights, atualmente, em 67 países no mundo, entre eles, Suécia, Holanda, Portugal, Rússia, Suíça e Uruguai, a mulher grávida decide se deseja ou não interromper a gravidez. São mais de 590 milhões de mulheres no mundo em idade reprodutiva que têm esse direito garantido.

Na contramão do que escrevemos aqui, temos os últimos acontecimentos no Brasil sobre o tema com o desarquivamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 29/2015, no ano passado, que propõe alterar o artigo 5º da Constituição para determinar a “inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”. A intenção é a proibição do aborto em todos os casos. Há também a portaria 2.282/2020, que prevê novos protocolos no caso de interrupção da gravidez resultante de estupro e que cria diferentes obrigações para médicos e vítimas; entre eles a obrigatoriedade de dizer para a mulher que ela pode fazer uma ultrassonografia para ver o feto.

Nosso repúdio e promessa de luta contra as visões patriarcais arcaicas que negam os direitos das mulheres e querem impor desde sempre o controle dos corpos femininos. Para nós do Comitê de Mulheres da Internacional de Serviços Públicos (ISP) no Brasil, o Estado tem o papel e o dever de descriminalizar para cuidar, e não omitir socorro.

As mulheres não morrem porque fazem aborto, morrem pelo descaso, falta de acesso e insegurança imposta pela criminalização. Além da descriminalização do aborto, são necessários programas de educação sexual para prevenção à gravidez indesejada, principalmente, na adolescência.

É preciso considerar que os direitos sexuais e reprodutivos fazem parte do campo dos direitos humanos e se baseiam em outros direitos essenciais, incluindo os direitos à saúde e de tomada de decisões sobre a reprodução livres de discriminação.

7 de outubro de 2020

Nota do Comitê de Mulheres da ISP Brasil sobre a questão do aborto

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O Comitê de Mulheres do Brasil da Internacional de Serviços Públicos (ISP), sindicato global organizado em 154 países, representando 30 milhões de trabalhadores e trabalhadoras do setor público e do setor privado de natureza pública, manifesta seu repúdio e promessa de luta contra as visões patriarcais arcaicas que criminalizam o aborto e negam os direitos das mulheres.